29.3.05

Bolo de Coisas

Depois que a Igreja colocou o livro “O Código da Vinci”, de Dan Brown, em seu Index Prohibitorum, não será uma surpresa se outros ramos conservadores da sociedade começarem uma nova campanha contra a "violência dos videogames". Ao observarmos as pinturas a óleo do artista austríaco Hans Bernhard, que retratam de forma pixelizada os atentados terroristas de 11 de setembro, inevitavelmente pensamos que em breve alguém vai misturar o Flight Simulator com o Counter-Strike. Mas ainda não há estudos conclusivos sobre a influência de videogames sobre os jogadores, assim como não há um estudo conclusivo que prove que a propaganda bélica de Walt Disney, na época da Segunda Guerra Mundial, tenha criado uma legião de soldados facínoras.


Por outro lado, a discussão é benéfica do ponto de vista da narrativa. Por exemplo, quando pensamos em um game genuinamente brasileiro, o que vem à cabeça? Canudos, talvez. Cidade de Deus, Guararapes. Mas por quê pensamos em jogos do tipo "shooter", quando pensamos em games? Há algo de vicioso nesta postura. Nem todos os games são "shooters" e nem todos os jogos precisam necessariamente conter uma temática violenta ou uma narrativa que implique em contravenções.


Repare, por exemplo, um desconhecido game para PlayStation 2, da Namco, chamado Katamari Damacy. O título, segundo a Wikipedia, significa, numa tradução livre, "bolo de coisas". O enredo é mais ou menos sobre a história da perda das constelações do firmamento pelo Deus do Cosmos. O objetivo do jogador é correr por vários cenários rolando uma bola que tem o poder de grudar os objetos do ambiente. Para reconstruir a constelação de Câncer, o jogador deve, por exemplo, fazer grudar na bola pequenos caranguejos. Além da originalidade da narrativa, outro aspecto que chama a atenção é o senso de lógica espacial e física criado pelo engine do jogo. Por exemplo, apesar de terem o mesmo tamanho dentro do universo disposto, é muito mais fácil fazer grudar no Katamari uma camiseta do que um vaso. Outros fatores dignos de nota são os gráficos e as cores. A estrutura é simples, mas as cores são compostas de forma equilibrada, dando a sensação de vivacidade. Talvez não seja prematuro afirmar que Katamari Damacy é um dos mais originais jogos da atualidade.
UPDATE (31/03): Veja os screenshots da seqüência do game. Nós queremos! Nós queremos!

17.3.05

Meu Adorável Camelô

As novidades do setor da música digital mudam a cada dia. Por exemplo, está em curso uma discussão sobre como coligar duas opiniões aparentemente contraditórias sobre o direito autoral nos dias de hoje: a primeira, do professor da faculdade de direito de Stanford, Lawrence Lessig, defende uma menor prescrição dos direitos autorais; a segunda, de Chris Anderson, prega que os nichos de produtos culturais que perderam evidência comercial (como, por exemplo, LPs fora de catálogo) estão readquirindo inusitado valor na "prateleira infinita" da Internet. A posição de Anderson, entretanto, admite não necessariamente que os autores originais podem e devem ter vantagem financeira sobre os produtos culturais que estão disponíveis no que ele chama de "long tail". Na cultura do remix, os direitos autorais devem ser mais flexíveis e devem prever que o produto cultural poderá ser "remixado", reciclado e reprocessado por terceiros, quando deixarem de estar em algum topo de lista. Ou seja, Lessig e Anderson discordam sobre a extensão temporal dos direitos autorais, mas concordam com a possibilidade de os produtos poderem ser reapropriados em nome da sobrevivência e preservação da cultura humana.


No Brasil, a discussão deve se concentrar em assuntos como a nova cadeia produtiva de música que começa a se descolar da economia oficial. Neste cenário, saem editores, distribuidores e arrecadadores e entram os piratas e camelôs, que passam a ser os novos agentes de facto. No artigo A Música Paralela, publicado na Folha de São Paulo em 13/10/2003, o antropólogo Hermano Vianna detecta e coloca em discussão a nova realidade: A música circula mais como bytes do que como objetos reais que podem ser comprados e manipulados no mundo 'não-virtual'. Os músicos não têm mais gravadoras nem o custo de prensar os discos, imprimir as capas ou distribuir os produtos – esse custo todo fica por conta dos camelôs e seus sistemas não-oficiais de indústria e comércio. Nota-se, neste cenário, que a mídia mais importante é o MP3 que vai para os DJs das aparelhagens ou dos programas de rádio e para as fábricas de quintal de CDs contratadas pelos camelôs. Mas como, perguntam-se os defensores do atual estado de coisas, os músicos vivem, se não ganham dinheiro com vendas de discos nem as sociedades de arrecadação de direitos autorais têm o mínimo controle sobre o que toca nos programas de rádio ou nas festas de aparelhagem? Hermano responde: vivem das apresentações ao vivo, é claro - e nisso parecem ser pioneiros e vanguarda da música pop em tempos pós-Napster.

15.3.05

História da Realidade Virtual

O alemão Oliver Grau, historiador de arte, vai dar uma palestra no Centro de Convenções do Centro Universitário Senac. Sua contribuição às artes em mídias digitais é fundamental, já que desde 2000 se dedica ao desenvolvimento da primeira base de dados internacional de Arte Virtual, que visa documentar o campo emergente da arte imersiva pioneira. Suas idéias, expostas em livros como "Virtual Art: From Illusion to Immersion", mostram que a realidade virtual não é um fenômeno recente das expressões artísticas (ele cita, por exemplo, a Sala delle Prospettive, uma série de afrescos com imagens da cidade de Roma em perspectiva, pintados no século 14 pelo artista Baldassare Peruzzi). A palestra vai acontecer no dia 21 de março, às 20:00, no auditório 3 e 4. O Senac fica na Avenida Engenheiro Eusébio Stevaux, 823, Santo Amaro (telefone: 5682-7571).

11.3.05

Games Golden Age

Um dos programas de comissionamento do Rhizome.org para 2005 escolheu e vai financiar sete projetos que "contribuem para o aspecto artístico, ou interpretam de forma abrangente o universo dos games". A comissão escolheu jogos interessantes, que modificam vários arquétipos dos modelos tradicionais e despertam reflexões.

Media Blackout e Average Shoveler, por exemplo, exploram o excesso midiático que está gerando o que King Crimson chamou de "21st Century Schizoid Man". O objetivo do primeiro é dominar as black-ops da mídia e as psy-ops do exército; o do segundo é erradicar a mente do personagem de todo o lixo despejado pelos meios de comunicação de massa, lixo este que cai candidamente do céu na forma de flocos de neve.

7.3.05

Tekné da Terrinha

O diretor João Urbano está anunciando o lançamento do quarto número da revista NADA. Para não perder o hábito, publicamos mais uma vez em nosso blog as novidades sobre esta que consideramos ser uma das revistas mais interessantes sobre arte, ciência e tecnologia da atualidade. Neste volume há uma entrevista com Bernard Stiegler, para quem a técnica é a questão central da Filosofia, assim como o ensaio "Repensando a Fotografia na Era das Biotecnologias", do artista e teórico Brasileiro André Favilla.


Por falar em nossos conterrâneos, o pessoal da revista CRÓNICA está também propagando a nova edição da revista. O português de Portugal é impagável. Sintam vocês o ritmo ibérico da melopéia de nossos irmãos: A crónica tem o prazer de vos apresentar King Glitch, um disco ecléctico, herético, espalhafatoso, chiqueiral abastardado e abandalhado sem qualquer ironia no título, um gozo pegado. Esta extravagância que nos é brindada por este par de gonzo-musicians islandeses, parece ter sido produzida durante a rodagem de delírio em Las Vegas e pode muito bem ser enquadrada como um saudoso adeus a Hunter S. Thompson, paz à sua alma. Não perca ainda a aventura videográfica "Making of a hit record" e acompanhe os nossos heróis numa fantástica cruzada pelo vale do estrelato. Excentricidade pop de abanar a barraca, a não perder.

1.3.05

Economia da Cultura Digital

Para quem pesquisa a cultura digital, talvez valha à pena investir apenas U$15 no Economising Culture: On 'The (Digital) Culture Industry', primeiro livro da série DATA Browser, da editora Autonomedia. Note o time de colaboradores: Carbon Defense League & Conglomco, Media Conglomeration, Adam Chmielewski, Jordan Crandall, Gameboyzz Orchestra, Marina Grzinic, Brian Holmes, Esther Leslie, Armin Medosch, Julian Priest & James Stevens, Raqs Media, Jeremy Valentine, The Yes Men, entre outros.

A licença dos textos, como não poderia deixar de ser, é Creative Commons. Como aperitivo, a editora está oferecendo no site um dos textos, Economising Culture: On The (Digital) Culture Industry, de Geoff Cox, Joasia Krysa & Anya Lewin. Já encomendamos o livro, para ser resenhado em CIBERCULTURA.

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