29.3.08

Design Inteligente

Um galpão no Bom Retiro, aparentemente voltado para um local de reserva técnica, tornou-se o novo espaço de exposições da Fortes Vilaça. E as donas não estavam de brincadeira: inauguraram o local com a exposição “God is Design”, com curadoria de Neville Wakefield, do PS1, área de arte contemporânea do MoMA de Nova York. O blog se deslocou até a Rua James Holand, 71, com o intuito de degustar não o coquetel, mas a obra "Persus" (1986), de John Mccracken, expoente da arte minimalista norte-americana. Surpreendentemente, o monocromo amarelo pintado à mão sobre madeira estava "apenas" encostado sobre uma parede, sem estar banhado por nenhum artifício luminoso do tipo "luzes da ribalta", diferentemente do que foi realizado com perfeição na Documenta 12 (veja acima a obra “Orchid”, de 1991). Sem problemas; só o fato de Mccracken estar presente já é a glória. Outra surpresa foi conhecer a simpática artista polonesa Agnieszka Kurant, cuja obra consistia de um fictício jornal New York Times de 2020 impresso em papel térmico, um material impregnado com uma substância química que muda de cor quando exposto ao calor.
UPDATE (30/03): Lá estava também Aleksandra Mir com uma seção de colagens nas quais são acopladas iconografias religiosas e imagens da corrida espacial. Nada que já não houvesse sido feito: meio déjà vu. Segundo consta Claire Bishop, na Artforum de dezembro passado, a artista se superou mesmo foi com Newsroom 1986-2000, atividade ocorrida ano passado na Mary Boone Gallery, em Nova York. Atividade? Sim. Munidos com canetas de ponta porosa, dúzias de “assistentes” copiaram no local da exposição as primeiras páginas de centenas de tablóides publicados no período disposto no título. Desmistificação do papel da mídia e neutralização do pespego a que ela nos acomete diariamente. Gênio!

27.3.08

Cinema e Arte Contemporânea

Há dois bons motivos para se ir à exposição Colateral 2, no SESC Avenida Paulista: “Kristall”, de Christoph Girardet e Matthias Muller, e “The Jungle Book Project”, de Pierre Bismuth. O primeiro é uma primorosa edição de copiões dos anos 40-60 na qual é desenvolvida uma narrativa com cenas de diversos atores se vendo em espelhos. Uma trilha sonora de andamento tétrico torna o resultado final inquietante, e nem é preciso citar Borges: os espelhos são assustadores apenas por refletirem aspectos sombrios da natureza humana, como culpas imperdoáveis, perdas de identidade e dúvidas pronominais. No segundo trabalho, os personagens do clássico da Disney (baseado em história de Rudyard Kipling) são dublados por vozes pronunciadas em diversas línguas, uma cacofonia lingüística que proporciona estranhamentos antropológicos. Mais do que isso: a língua artificial faz-nos voltar a crer num animismo no qual animais e humanos compartilham uma mesma Cultura e, por conseguinte, uma mesma alma. Em termos gerais, o SESC promoveu uma exposição sobre como a arte contemporânea se apropria das linguagens cinemáticas em suas expressões. Um conceito mais ousado foi usado na exposição Fate of Alien Modes, que aconteceu em 2003 na Secession, em Viena. Neste caso, foi preferida a diegese ao invés da mimese, explicando, o curador optou não por mostrar as apropriações e conflitos entre arte e cinema, mas sim narrá-los, seja por meio dos modos de produção cinematográfica, seja por meio dos sub-textos inerentes.

17.3.08

Autoria como Gênero

Como visitar exposições de arte sem sair do sofá? Não é uma pergunta absurda considerada a dificuldade cada vez maior de deslocamento de corpos físicos (crise aérea, terrorismo, etc.) e, claro, limitações de ordem financeira. Há que se criar, portanto, uma metodologia para resolver o problema, sem que isso provoque um choque de realidade. Google Book, YouTube, Flickr, Tachiyomi e compra de catálogos são algumas soluções – paliativas, diga-se. Mas é o que há disponível. Quem não gostaria de ir ao Museum of Contemporary Art, em Los Angeles, para ver ao vivo os produtos de Kakai & Kiki na individual de Murakami? E há tantas outras! Há uma especifica que, por si só, já valeria a entrega da prometida metodologia: Shandyismus - Autorship as Genre, que aconteceu no ano passado na galeria Secession, em Viena (neste caso, só a nossa metodologia salva). Quem imaginaria uma exposição de arte contemporânea tendo como ponto de partida o livro "A Vida e as Opiniões do Cavaleiro Tristram Shandy", de Laurence Sterne, o pai da prosa satírica do século 18? O livro já foi filmado pelo diretor Michael Winterbottom (reconhecido por ele mesmo como "infilmável"), mas o curador Helmut Draxler deu um passo além. Aparentemente, o conceito resolver-se-ia na digressão miscelânica, uma das características do autor irlandês; numa visão mais atenta, porém, nota-se que o que o curador propôs foi uma reflexão sobre as relações entre autor e público, tendo como base os diversos loops cibernéticos que ocorrem por meio de referências, alusões e correspondências entre os pólos de emissão e recepção (Cf. Lynne Cooke, Artforum, dezembro, 2007). Houve também uma reavaliação da "estética curatorial", expressão criada pelo artista Ricardo Basbaum em referência às intervenções do curador Roger M. Buergel na Documenta 12. De certa forma não foi exatamente isso que Sterne perpetrou com a quebra de um cânon formal, a qual só foi possível devido aos avanços da tecnologia tipográfica da época? Antes de tudo, os trabalhos presentes na exposição de Draxler foram o triunfo da “linguagem metalógica”. Para dar legibilidade à metodologia proposta no início do parágrafo, faz-se necessário comentar algumas das obras, numa espécie de “test-drive” conceitual.

Duck Amuck”, desenho animado realizado em 1951 por Chuck Jones, é puro pop-surrealismo. A premiadíssima animação da Warner Bros. mostra o Patolino sendo “abusado” pelo cartunista, que a todo o momento altera sua forma e os contextos da história, a ponto de o personagem se dirigir ao seu criador solicitando mais coerência, num diálogo que remete às vozes narrativas do clássico de Sterne se dirigindo aos leitores. Neste sentido, o desenho animado de Jones é “shandynesco” ao extremo.

“Th’ Life an’ Opinions of Tristram Shan’y, Juntleman, as enny fool kin plainly see. Voloom I” foi uma intervenção feita pelo artista David Jourdan, que fez uma leitura de dois capítulos do livro de Sterne modificados pelo The Dialectizer, um software que transforma qualquer texto em inglês no dialeto falado pelos personagens da famosa HQ “Ferdinando e a Família Buscapé”, criado por Al Capp na década de 60.

Boîte-en-Valise”, de Marcel Duchamp, é um “mini-museu itinerante”, na verdade, uma série de malas contendo sessenta e nove reproduções em miniatura de célebres trabalhos do artista, entre eles: “Broyeuse de Chocolat” e “L.H.O.O.Q”. Tirante o fato de sugerir uma discussão sobre a originalidade de obras de arte (bricolagem de bricolagens), o conjunto é uma extravagante autoparódia, recurso caro ao satirista irlandês que fundamenta a exposição.

"With Elements of Web 2.0", de Olia Lialina e Dragan Espenschied, é uma série de silkscreens e impressões digitais aplicadas sobre alumínio inspirada em ícones e grafismos bem familiares aos navegantes da Web. O díptico “Dimension”, por exemplo, replica a ferramenta de controle do Google Maps. Ao retratar elementos iconográficos da Web com uma abordagem quase religiosa, os dois artistas propõem novas encenações de velhos cultos. Referência aos asteriscos, travessões e outros sinais diacríticos presentes ao longo do texto de Sterne?

Le Drapeau Noir. Tirage illimité” (1968), de Marcel Broodthaers, é fruto de um manifesto neo-vanguardista na forma de duas cartas abertas (“Académie III” e "Le noir et le rouge") cujos textos derivaram para uma série de placas em alto-relevo (depois chamadas de “pinturas”). A carta "Académie III" foi alterada para "Académie II" na versão negra (em negativo) da primeira placa, enquanto "Académie II" se tornou o título de um conjunto branco (em positivo) da versão em negativo. Todas elas foram apregoadas como sendo parte de uma "edição limitada" (sete cópias) para questionar a democratização dos objetos de arte pela mera reprodutibilidade técnica (Benjamin e Sterne dando as mãos). Na segunda carta (e placas subseqüentes), de cunho mais político, são listadas as cidades onde se deram os movimentos radicais da década de 60. (Cf. "Neo-Avantgarde and Culture Industry", Benjamin H. D. Buchloh)

Um dos diagramas dispostos na obra mais prematuramente pós-moderna que já existiu. É parte do capítulo quatro, do Volume IX, em que o cabo Trim mostra ao Tio Toby as mazelas da vida matrimonial “enquanto o homem é livre”, segundo a linha errática desenhada pelo floreio de seu bastão.

Pôster do filme "Pickpocket" (1959) de Robert Bresson, feito por Hans Hillmann, considerado o fundador desse tipo de arte gráfica na Alemanha. Aqui resta-nos levantar algumas questões sobre a amplitude metalingüística da peça: Bresson cita “Crime e Castigo”, de Dostoievski, e o protagonista do filme cita “Prince of Pickpockets”, de George Barrington; mas a quem Hillmann estaria citando? Ou a corrente referencial engloba apenas Hillmann que, num universo paralelo, seria um batedor de carteiras?

“Dokumentation über Marcel Duchamp” (1960), de Max Bill, pôster de mostra individual de Duchamp no Kunstgewerbemuseum, em Zurique. Mais um caso de artista citando outro artista.

"Washington D.C.” (1966), de Robert Frank. Aqui o fotógrafo cita o fotojornalista. Não seria o caso de o curador ter colocado imagens de “The Robert Frank Coloring Book" coloridas por outros artistas e fotógrafos? Fica a título de sugestão. Cenograficamente, o trabalho de Frank ficou disposto sobre a aplicação do texto de introdução do Volume IX, titulado “Dedicatória a um Grande Homem”.

A lista prossegue com o coletivo Bernadette Corporation, Martin Kippenberger, Jutta Koether e tantos outros artistas que trafegaram (ou trafegam) no limiar entre autoria simples e composta e que não pensavam (ou pensam) duas vezes antes de se fartarem com digressões e food for thought (numa livre tradução: ração para cavalos do motor mental). É sem dúvida uma exposição que sobrepujou a ortodoxia da problemática autoral, sem apelar para os tradicionais jogos dialéticos entre autor e “cliente”. Com relação ao método de visitar exposições sem sair do sofá, o blog roga para que a brincadeira não seja levada tão a sério; afinal, nada como visitá-las in loco. Foi apenas uma breve recaída na ontologia platônica.

15.3.08

Arte Móvel (Mesmo)

A última façanha de Zaha Hadid é o “Mobile Art”, um pavilhão nômade para eventos patrocinado pela Chanel. Começando por Hong Kong – com uma exposição de arte contemporânea na qual estão presentes artistas como o japonês Tabaimo e a coreana Lee Bul (ver a escultura cibernética acima) – a construção, que se parece com um disco voador, segue rumo à Tóquio. O velho sonho das cidades caminhantes começou a ser, de certa forma, concretizado pela visionária arquiteta iraquiana...

9.3.08

Causa Sete

A Baró Cruz, em São Paulo, lançou-se numa ambiciosa e instigante ação de “descontrole curatorial” com o Projeto Estúdio, capitaneado por Daniela Castro, que transformou a galeria durante algumas semanas num atelier experimental para o desenvolvimento de sete projetos inéditos de arte contemporânea. Invariavelmente iniciativas assim são acompanhadas de glórias e frustrações. Esperava-se, por exemplo, na finissage do dia 8 de março, a performance de Alberto Simon, “Receitas para Ovas”, na qual o artista ministraria um crash course de produção de Botarga, remissão à nova tendência de inserir o mundo culinário (e, por que não, gastronomia molecular?) em exposições de arte, tendo como culminância a participação do chef catalão Ferran Adriá na Documenta 12. Apesar disso, a culinária ficou nas entrelinhas: as lâmpadas de néon apoiadas sobre barras de manteiga, de autoria de Jorge Menna Barreto, trabalho que fez este blog lembrar-se das esculturas de David Batchelor. O ponto alto da exposição ficou por conta do promissor Henrique Oliveira, cujas estruturas de tapume emanam organicidades transbiológicas, como o casulo que ele construiu no segundo andar da galeria. Outro ponto alto foi a vídeo-instalação de ficção cientifica, montada com objetos do cotidiano, à la Ed Wood. Não havia referência ao artista. Aliás, material informativo foi a grande ausência do evento. Não se esperava um catálogo, claro, mas sim recursos mais simples, porém eficientes, como os usados, por exemplo, pela artista norte-americana Miranda July (a lousa da parede lateral poderia ter sido melhor explorada neste sentido). Outra ausência notada (lembrando as pesquisas de Cecília Almeida Salles) foi certa diferenciação entre a apresentação de documentos do processo, obras processuais e obras que se valem do processo como causa eficiente. Mas no cômputo geral a iniciativa foi bem sucedida, tanto no sentido de recuperar alternativas minimalistas que se imaginavam esquecidas, como na ousadia de investir em curadorias do tipo “vôo cego”.

7.3.08

Conde Dragulesco

Diretamente da Transilvânia, surge um dos artistas de "arte generativa" mais interessantes do momento: Alex Dragulescu, um primus inter pares no reino das extrusões óbvias. Sua série de visualizações de malwares é notável, tanto do ponto de vista do conceito, como do resultado final.

5.3.08

O Arco-Íris da Gravidade

Há muita discussão sobre a poética dos discursos curatoriais. Eles devem se justapor aos trabalhos, se arvorar em meta-discursos ou se restringir em instancias específicas? Uma coisa é certa: um discurso nunca se esgota em si mesmo, por melhor que a tese seja demonstrada. Tome-se como exemplo a exposição Gravity Art, em “cartaz” no TELIC Arts Exchange, em Los Angeles. O conceito é, com o perdão do entusiasmo, fantástico: explorar a força g como mídia. Estão lá Bas Jan Ader, Stelarc, Richard Serra e muitos outros. Mas, esperem aí... Não tem Yves Klein? “Le Saut dans le Vide” (imagem abaixo) não está lá? Ok. Isso redime o curador Rene Daalder? Sim, pois ele não precisava pegar um viés de space art, já que “um discurso curatorial não se esgota em si mesmo”. Mas que a ausência de Klein é um pouco constrangedora, isso é.

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