11.2.05

Art-Hoax

No campo da arte contemporânea, a falsificação de obras de arte ganhou escala considerável muito por culpa do pintor Salvador Dali, que, aproveitando-se de uma onda de popularidade na década de 1960, escreveu em mais de 30.000 telas em branco sua assinatura, todas com um estilo diferente. A elevação da assinatura de Dali ao status de "obra de arte" facilitou ao extremo o trabalho dos falsários e, mais importante, acendeu o debate sobre "autoria".


Fala-se muito nestes dias de art-hoax, ou a engambelação como forma de arte. Muitos hão de lembrar do trote que o grupo austríaco monochrom pregou nos curadores da 25ª Bienal de São Paulo, em 2002. Ao invés de enviarem uma "obra", os pranksters decidiram "enviar" o "artista" Georg Paul Thomann ao Brasil. O projeto tático-irônico foi tão bem articulado, que o hipotético artista ganhou biografias, monografias, artigos e todo um complexo aparto simbólico-narrativo para auferir sua existência. O que era a princípio uma manifestação contra o governo de direita austríaco, acabou se tornando uma das estripulias artísticas mais notáveis dentro do âmbito da arte contemporânea.

A dificuldade de se separar o que é real do que é armação tornou-se um auto-de-fé. Hoje, alguém que atende pelo nome de "A Certain Geert" enviou a seguinte mensagem para uma das listas de discussão da Syndicate: I am sure that Reinhold Grether does not exist since I am in process with him in Germany. He wants to kick me out of my website, pretending that it is his website, while nobody on this earth can be sure whose website is my website. Beware, not only Reinhard's work is fictive, but he is a fictive person. Also identity hacking is boring when nobody on this earth would confuse me with a fictive person, I am me, my website is my website and I have absolutely nothing to do with certain fictive addresses and a fictive person. Seria então o Dr. Reinhold Grether, autor de uma famosa coleção de links sobre net art, uma pessoa fictícia? Que seja criado, então, um novo ramo do jornalismo: a reportagem investigativo-artística.



Não são raras as vezes em que os próprios teóricos que pregam o fim da autoria com a mesma verve de um Fukuyama são vítimas de suas próprias palavras. No paper Assinaturas Assimiladas: o Direito ao Nome Próprio, o artista paulista Cícero Inácio da Silva revela que "tudo que faço, na maioria das vezes, é criar pequenos algoritmos computacionais que tem os mesmos nomes dos autores que dizem que a autoria acabou, ou seja, que não há problema na apropriação, sendo que os algoritmos produzem uma série de textos, em muitos casos sem nexo algum, e depois os assinam com seu próprio nome". Ao tentar confirmar suas teorias, Cícero Inácio acabou provocando a ira do respeitado diretor da revista Leonardo, Roger Malina, que chegou a enviar ao artista um e-mail do tipo cease and desist. "Dizia ele no e-mail que o projeto, ou melhor, a revista Plato On-line depreciava o trabalho das pessoas que estavam com seus nomes expostos. Mais do que isso, afirmava que a Plato, por ser uma revista copiada quase na íntegra (visualmente) da Leonardo, enganaria as pessoas e elas acabariam lendo uma coisa que não pertencia aos autores reais".

A conclusão extraída dos casos citados acima é que a criação de obras e textos apócrifos, vista antes como um ato menor, quase um conto do vigário, hoje é uma instituição artística respeitada. Os clones de Dali devem estar se revirando em suas provetas...

UPDATE: O Cícero Inácio nos enviou um e-mail apontando para a mais recente obra-prima da art-hoax, uma peça elaborada por um dos integrantes da dupla The Yes Man, que se fez passar por um porta-voz da empresa Dow Química, responsável por uma das maiores catástrofes industriais da história, o desastre de Bhopal, na Índia (após vinte anos, o acidente continua matando uma pessoa por dia). O "porta-voz" conseguiu convencer a surcusal francesa da BBC de que a Dow estaria preparando uma indenização bilionária aos parentes das vítimas. A matéria foi ao ar e causou a queda das ações da empresa. Veja o trecho da entrevista e leia a história completa aqui.