20.3.07

O Prank do Fim do Mundo


MENSAGEM AOS HOMENS DE BOA VONTADE: NÃO SE ENCLAUSUREM NOS GRILHÕES DE SEUS COMPORTAMENTOS INCONSEQÜENTES E CRIMINOSOS. SALVEM URGENTEMENTE O NOSSO PLANETA!

É com a emissão de mensagens desse porte que Fred Forest inaugura seu mais recente prank na 1º Bienal del Fin del Mundo, que compreende uma instalação no farol e um terminal disposto em uma das celas do presídio de Ushuaia, na qual os visitantes poderão consultar um site na Internet e acionar os emissores de conclamações que pouco a pouco se multiplicarão sob a abóbada celeste.

O texto conceitual do projeto, enviado por Forest ao Blog do Itaulab, começa da seguinte forma: No topo das prioridades da ecologia está a mente e a inteligência, que juntas poderão nos conscientizar dos perigos iminentes que nós mesmos criamos, de modo que possamos garantir as condições mínimas de nossa própria sobrevivência durante toda a continuidade de um tempo eterno - um tempo que poderá ter a energia positiva do mundo e uma sabedoria ancestral. O farol de Ushuaia, postado como uma sentinela, emitirá incansavelmente seus sinais do Pólo Sul para o Pólo Norte. Essa progressão ocorrerá seguindo linhas flexíveis e moveis de ondas, que se multiplicarão até o infinito e acabarão por envolver o planeta inteiro com um véu invisível. Esse véu, tecido pela expressão coletiva dos homens de boa vontade, será como a túnica leve de um xamã dotado de poderes eletrônicos. Uma túnica que a partir de agora nos protegerá das tentações mortíferas da civilização: do ruído e do furor, da poluição, da violência, da fome indigna, do terrorismo, do fanatismo de todo tipo, da predação sistemática das riquezas naturais.

O impulso de mudar o vetor de fluxos culturais, expresso no termo "do Pólo Sul ao Pólo Norte", é a epítome dos novos anseios de difusão cultural, que contrariam os atuais fluxos de informação (ver imagem abaixo). O padrão hegemônico é descrito de forma lúcida por Moacir dos Anjos no livro Local/Global: Arte em Trânsito: Outra manifestação das estruturas hierarquizadas de poder que presidem os processos de transculturação é encontrada no caráter assimétrico dos fluxos de informação mundializados, muito mais volumosos no sentido das regiões centrais para as periféricas do que na direção oposta, o que faz com que as formas culturais criadas nas regiões que possuem hegemonia do processo de globalização sejam melhor difundidas e afirmadas mundialmente do que as ressignificações que delas são feitas a partir de culturas locais e, evidentemente, do que criações somente nestas assentadas.

Conhecendo as estratégias de Forest, o tom mítico e politicamente correto do manifesto adquire estranhas conotações satíricas. É um prank de grandes dimensões, comparável ao (não confirmado) último prank de Sir John Hargrave: hackear o Super Bowl para a divulgação do livro Prank the Monkey: The ZUG Book of Pranks.


Mas as estratégias de Forest, que estão sendo desenvolvidas desde a década de 60, são mais "pé no chão", seja lá o que esse termo signifique lendo as seguintes linhas (e entrelinhas): A sentinela do fim do mundo, erguida entre o céu, o mar e a terra, lançará sua mensagem de sabedoria e de inteligência para que os homens, num último lampejo derradeiro, possam reconsiderar suas atitudes. A tecnologia - que vai deixar de ser um objeto de vigilância, opressão e morte - vai permitir que a sentinela do fim do mundo emita ondas "positivas". São ondas luminosas e sonoras que vão varrer o planeta em toda a sua extensão para iluminar as nossas mentes. Cada um poderá oferecer o seu corpo a essas ondas de fluxo benéfico conectando seu computador, qualquer que seja a posição em que se encontre em termos de latitude e longitude, seu local geográfico ou o país da Terra: Gaia, a mãe de todos nós.

O manifesto, proferido por outro que não fosse Fred Forest, soaria como uma logorréia new age. Mas dito pelo prankster gaulês argelino, é uma sátira digital que inverte a lógica de Borat, ou seja, ao invés de consumar a crítica com a ampliação do incorreto (racismo, sexismo, etc), ele a realiza com a amplificação do social e politicamente aceitável.


Lendo a primeira etapa do projeto, a sátira desvela seus contornos cínicos: um emissor de ondas curtas será instalado de modo simbólico no alto deste farol e divulgará uma mensagem gravada em várias línguas. Ou seja, a imanência da "obra" continua sendo transcendental. Na segunda etapa, será criado um site na Internet permitindo a divulgação mundial de uma mensagem ilustrada com a imagem deste farol, uma espécie de entidade mítica batizada de A Sentinela do Fim do Mundo. Por meio de uma animação gráfica superposta à foto, ondas concêntricas móveis emanarão da parte superior desta figura-tótem erguida no céu. Um botão interativo permitirá desencadear as ondas e outro inserir mensagens.

Mais uma vez, Forest se diverte e, ao mesmo tempo, combate.

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