Atualmente, as discussões sobre cultura giram em torno de contraposições diversas que, grosso modo, são sumarizadas na questão dos choques culturais. Pop versus cultura popular é um bom exemplo. Há hoje quem ainda insista em contrapor o multiculturalismo (agora sob a alcunha de “hibridismo”) às manifestações culturais puras, como aquelas que surgem, na ingênua concepção de seus defensores, por “partenogênese”. Aparentemente, não se discute tanto na academia os mecanismos pelos quais supostas tradições culturais são apropriadas com o intuito de legitimar nacionalismos não tão progressistas (aliás: existe nacionalismo progressista?). Quem mais próximo chegou a tocar no assunto foi Eric Hobsbawn no livro “A Invenção das Tradições”. No primeiro capítulo, o historiador inglês demonstra como as tradições escocesas foram forjadas por um grupo de irlandeses que migraram para as Highlands e assim agiram para fundar uma memória inexistente e uma “tradição nacional”. Assim, o kilt e até o famoso poema “caledônio” Ossian, admirado até por agentes do romantismo (ver a obra acima de Ingres), são simplesmente representações de uma fraude. A discussão que urge voltar à pauta dos acadêmicos é exatamente como as tradições tornam-se, com o excesso de repetição, cerimoniais vazios, mas repletos de intenções ideológicas ocultas. Tornam-se, assim, uma pageantry. O maior problema é colocar tradições que não são costumes (estes, sim, orgânicos e afeitos a releituras, desconstruções e upgrades) a serviço de políticos inescrupulosos. Foi assim que surgiu, na antiga Iugoslávia, o turbo-folk, um pastiche de gênero musical que virou o verdadeiro hino dos Chetniks, os nacionalistas sérvios. Assim, o historiador que entender como a cultura popular é transformada em turbo estará em vantagem competitiva.
Claro que o delicioso reggae feminista-steampunk-turbofolk da banda iraniana Abjeez (obrigado, Bruce Sterling!) está fora da discussão.
UPDATE (22:56): O choque de culturas, em alguns casos, pode ser bem feio. Não pela grafia do cartaz ou pelo filme propriamente dito; mas pelo comentário.
UPDATE (8/02): Não apenas a cultura popular está sujeita às apropriações nacionalistas, mas também o Pop. Os desenhos animados destinados aos soldados norte-americanos da Segunda Guerra Mundial talvez seja um exemplo. E, se observarmos com mais atenção, o novo reality show Who Wants to Be a Superhero? se enquadra neste particular também. Outra reflexão: os nazistas não apenas foram beber na fonte da mitologia alemã, mas também no classicismo, a estabilidade e a tradição por excelência (chega a ser cômico visualizar um apolíneo vestido com um lederhosen).
UPDATE (17:05): Boris Buden receita a idéia de "tradução cultural" contra o mal do nacionalismo. Segundo ele, a cultura entrou em todos os poros da sociedade pós-moderna, substituindo inclusive o termo "sociedade". Isso seria possível se considerássemos a cultura como uma idéia (procurar a expressão "common culture" dentro do livro The Idea of Culture, de Terry Eagleton. O Google Book Search pode auxiliar maravilhosamente nessa tarefa). Buden alerta, porém, para algumas falhas conceituais da teoria Pós-Colonialista, como a concepção das "identidades híbridas", o outro lado da moeda essencialista que pode dificultar a emancipação universal proposta pela teoria da cultura supranacional.
UPDATE (9/02): Os pequenos ensaios dispostos neste blog são provocações no bom sentido. Não há a pretensão de provocar os gigantes do ringue. Somos livres pensadores e abrimos nossas fontes e metodologias de pesquisa. Por exemplo, a aquisição de conhecimento que embasa os posts é fundamentada, basicamente, no tripé Wikipedia, Google Book Search e Tachiyomi (hábito no Japão de se ler livros em pé nas livrarias).
UPDATE (23/02): Mas o que dirão os críticos estipendiados? Bem, além dos três métodos suspeitos acima, há também a compra e leitura de livros, uma das tecnologias mais bem sucedidas que se tem notícia.