A curadoria de exposições de arte tecnológica não é tarefa trivial. Por ser uma forma nascente, as "obras de arte" que se encaixam nessa "categoria" tendem a trafegar numa espécie de terra média das artes, completamente envolta em névoa programática. Público e crítica se sentem, claro, esteticamente vilipendiados e, não raras as vezes, vítimas de um escárnio cósmico dos deuses maquínicos. É o preço que se paga pela evolução (ou devolução?) da história da arte, não afeita a concessões de maneira geral, principalmente depois do advento das "vanguardas". Mas não deixa de causar espécie que, em pleno século 21, a chamada "arte tecnológica" (ou arte em novas mídias, aqui os termos são dúbios) continua causando... Espécie! Mas isso é esperado e mesmo saudável, levando em conta o fator surpresa causado por tudo que é novo. Por outro lado, a crítica está desempenhando seu papel ao detectar ranços de tecnofetichismo na área, como bem o fez Luiz Camillo Osorio em recente crítica a exposição "Corpos Virtuais" (Centro Cultural Telemar), publicada pelo jornal
O Globo. No texto, Osorio alerta que "as novas materialidades eletrônicas devem produzir novos espaços e tipos de exposição, senão o fascínio estéril toma conta". O alerta anti-tecnofílico é propositado.
O crítico de arte Fabio Cypriano, do jornal
Folha de São Paulo, compartilha das mesmas aflições. Em
matéria publicada no último dia 16, referente à exposição
Cinético_Digital, ele deixou claro que há na produção recente de arte tecnológica um "certo deslumbre com a tecnologia que, em certos trabalhos, fica mesmo empobrecida perto do desenvolvimento atual dessa tecnologia no cinema, nos videogames ou no próprio cotidiano". O jornalista sugere que ao invés do fascínio tecnológico, os artistas contemporâneos deveriam seguir a senda iniciada pelos pioneiros, que problematizavam a tecnologia. Neste sentido, poderíamos dizer que o
Partito Politica Futurista fazia uma crítica sistemática da velocidade automobilística? Como lembrou o escritor austríaco Robert Musil, os futuristas "exigiam o acelerismo, o aumento máximo da velocidade das experiências de vida através da biomecânica esportiva e da precisão acrobática". A crítica de Cypriano seria válida se as etapas de evolução artística estivessem inseridas num "continuum" conceitual e programático, mas esse não é o caso. Outra pergunta é: qual seria a dose certa da "problematização"? Algo entre o luditismo puro e o uso subversivo dos aparelhos? Ou algo entre um neofuturismo tecnofílico e um retro-vanguardismo tecnofóbico? A calibração proposta é complexa, mesmo sendo realizada em conjunto por artistas, público, curadoria e críticos navegando na mesma
navilouca, o que, em se tratando de arte tecnológica, não é um trocadilho. De certa forma, a crítica de arte tecnológica pode acabar beneficiando as curadorias num movimento de "
feedback loop", termo que explica como o fonógrafo influenciou, no início do século passado, a performance dos músicos de câmera, que passaram a corrigir seus maneirismos ao escutarem a gravação de suas apresentações, da mesma forma que os jogadores de futebol aperfeiçoam suas técnicas ao verem o
replay de seus lances.
A questão curatorial é um elemento importante de todo o imbróglio. No Brasil (e, numa certa extensão, no mundo) a experiência curatorial no campo da arte tecnológica ainda é rarefeita. Mesmo no exterior, as preocupações continuam a todo o vapor. Um exemplo notório é o simpósio "
Curating, Immateriality, Systems: On Curating Digital Media", recentemente realizado no Tate Modern, evento onde se discutiu, entre outras coisas, as várias maneiras de selecionar obras de
net art, peças de arte em constante mutação que são produzidas de forma distribuída, como ilustra bem o modelo de Paul Baran. Qual seria a maneira correta de conciliar o espaço público dos museus que abrigam essa forma de arte com o ciberespaço público das redes? Luiz Camillo Osorio, na mesma matéria do jornal
O Globo, responde que hospedar exposições na rede é "dar-lhes desdobramentos novos e imprevisíveis". Outra questão importante é: como as obras coletivas inseridas na rede podem ser arquivadas, já que essa é uma das atribuições principais de museus e instituições? Uma solução interessante foi apresentada no Tate Modern por Joasia Krysa, professora de mídia digital na Universidade de Plymouth, Inglaterra. O
Kurator, explica Joasia, é um banco de dados de softwares de
net art, que podem ser alterados e incrementados de maneira constante, como o são os softwares livres.
E quanto às estratégias curatoriais? Será possível, por exemplo, unir esforços e realizar uma curadoria de arte tecnológica em âmbito internacional, sem impasses geopolíticos? Uma experiência interessante foi contada por Susanne Jaschko, numa extensão do transmediale em Santiago, Chile, em 2003. No transmediale-extended.01, sua co-curadoria foi confrontada com modos de pensar, métodos e velocidade de trabalho completamente diferentes. Ao invés de abolir as idiossincrasias, o conselho curatorial resolveu mantê-las, criando dois níveis complementares de perspectiva: o local e o forasteiro. Outro aspecto fundamental é o tema e os recortes de exposições de arte tecnológica. Um evento que vale observar de perto é o
Futuresonic 2005, também na Inglaterra. Unindo música eletrônica, exposições e simpósios, o conceito do evento estaria mais próximo do que Fabio Cypriano chama de "problematizar" a tecnologia. Na exibição "Fuzzy Logic", por exemplo, vários artistas computacionais mostram de forma inventiva e "politizada" como as máquinas téxteis do século 19 inspiraram os primeiros computadores.